Psicodrama
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O teatro é um espaço de criação e de experimentação onde conseguimos transmitir através da arte sentimentos e situações reais ou simbólicas do cotidiano.

O psicodrama surgiu para mostrar que a união do teatro e da psicoterapia pode ser uma grande aliada da saúde mental, uma vez que a sua técnica tem como objetivo a transformação do indivíduo por meio da liberação da criatividade e da espontaneidade.

Psicodrama

O psicodrama é uma abordagem psicoterápica que foi criada pelo médico, psicólogo, filósofo e dramaturgo Jacob Levy Moreno (1889-1974).

O método estuda a verdade através da ação (“drama” em grego), que visa uma transformação profunda do homem à medida em que ele trabalha suas relações interpessoais e internas.

Moreno definiu o psicodrama como “a ciência que explora a verdade por métodos dramáticos”. Sendo que o psicodrama intenta que o indivíduo alcance uma existência autêntica.

Por meio da teatralidade conseguimos ter uma vida mais espontânea, pois liberamos nossa criatividade reprimida e cristalizada pela conserva cultural.

Assim como no teatro, o palco no psicodrama é o lugar da encenação de histórias e da encarnação de papéis.

As situações desenvolvidas no enredo podem ser conflitos internos dos personagens, sonhos, situações mal resolvidas, inseguranças e tudo aquilo que precisa ser interpretado e transformado positivamente.

Jacob Levy Moreno

Pai do psicodrama e do sociodrama, nasceu no dia 6 de maio de 1889, na Romênia. Aos 5 anos de idade mudou-se para Viena junto com seus pais e irmãos.

Foi em uma de suas brincadeiras de infância que surgiram as primeiras ideias que deram origem a sua teoria, enquanto ele brincava de ser Deus, recebeu a ordem de seus amigos (que representavam os anjos) para “voar”, pulou de cima de uma pilha de caixotes e como consequência fraturou o braço.

Moreno refere-se a este episódio como a “centelha” de suas ideias, pois ele entendeu que não poderia ser Deus se não fossem os anjos, ou seja, não há papel sem contra papel.

Moreno foi influenciado pelas ideias do hassidismo e da cabala. Durante a sua juventude fundou com outros jovens a casa do encontro, ou religião do encontro, local que abrigava refugiados de guerra, imigrantes e pessoas em situação de rua.

A casa era mantida por meio de doações e além de moradia e alimentação os abrigados tinham espaço para compartilhar suas histórias, sentimentos e talentos (arte, dança). Essas reuniões serviram de inspiração para os grupos de encontro.

Mais tarde participou de um projeto que tinha como objetivo, através de técnicas grupais, o apoio e a conscientização de prostitutas para que elas pudessem lutar por seus direitos.

Moreno formou-se em medicina em 1917 e em 1921 fundou o Teatro Vienense de Espontaneidade, experiência que constituiu a base de suas ideias da psicoterapia de grupo e do psicodrama. Ainda nesta mesma época resolveu fazer teatro espontâneo com pacientes psiquiátricos. E em 1931 iniciou a terapia de grupo científica.

Jacob Levy Moreno morreu no dia 14 de maio de 1974 aos 85 anos de idade, em Beacon, Nova Iorque.

Principais Conceitos e Teorias do Psicodrama

Dentre as principais teorias de Moreno que constituem a base teórica do psicodrama temos:

Teoria da espontaneidade

Segundo Moreno, a espontaneidade é um recurso inato do indivíduo e está vinculado à sua capacidade de criação.

Ser espontâneo refere-se à tomada de decisões adequadas, perante o novo, a agir de forma coerente e transformadora, de modo a considerar os laços afetivos que foram construídos. Não é responder automaticamente, é responder sendo um agente ativo do próprio destino (Ramalho, 2011).

À medida que vamos nos adaptando às normas da sociedade, vamos limitando nossas possibilidades e nos isolamos de nós mesmos, nos tornamos dóceis e facilmente aceitos. Nessa tentativa de encaixe, perdemos a nossa espontaneidade e nos distanciamos do autoconhecimento.

Por meio da abordagem psicodramática conseguimos recuperar a espontaneidade e a criatividade que foi perdida em algum momento da nossa jornada.

Conserva cultural

É a preservação dos valores de uma determinada cultura. Os costumes, comportamentos e visão de mundo presentes desde o início da vida de um indivíduo e que se repetem por gerações.

À medida que a cultura vai se cristalizando perde-se a espontaneidade, prejudicando assim o desenvolvimento de vários aspectos da vida de um indivíduo, como o campo social, afetivo e emocional. 

Cabe ao ser humano se livrar dessas reservas culturais e liberar o seu potencial espontâneo e criativo.

Tele

É a capacidade de distinguir objetos e pessoas, sem distorcer seus aspectos essenciais. É a percepção que vai além do domínio visual. O fator tele interfere diretamente na comunicação uma vez que nos comunicamos a partir daquilo que somos capazes de perceber. É a compreensão do outro sem distorções, empatia objetiva.

Catarse

Mecanismo terapêutico que tem como objetivo a liberação de emoções. Ocorre à medida em que a espontaneidade e a criatividade vão se desenvolvendo, revelando conceitos e sentimentos até então ocultos para os atores e para o público.

Realidade suplementar

Trabalha com o imaginário. É o universo construído dentro da cena psicodramática.

É quando o personagem central, com a mediação do diretor, externaliza sentimentos, conflitos e situações mal resolvidos de seu personagem. A realidade suplementar muitas vezes se entrelaça com a realidade vivida no cotidiano do indivíduo.

Assim, o protagonista imerge em um mundo simbólico, ou seja, um lugar que nunca pode viver, mas que é real em seu interior.

Matriz de identidade

É o local em que a criança está inserida desde que nasceu. A sua relação com o ambiente e com as pessoas que estão ao seu redor.

Pode ser entendido como uma etapa de descoberta do “eu” e do “outro” e o papel desempenhado por eles.

É um papel determinante para o desenvolvimento da criança, pois são as referências que irão compor a sua personalidade.

Teoria dos papéis

O papel é o modelo que o indivíduo assume para representar a si mesmo e interagir com o meio. Assumimos vários papéis desde o nosso nascimento e é nessa relação com esses papéis que vamos experimentando e identificando a nossa verdadeira identidade.

Cada papel é apresentado a nós à medida que vamos nos desenvolvendo (como por exemplo, os papéis de filho, irmã, amigo) e isso se aloja na nossa psique.

Esses conceitos surgem antes do descobrimento do “eu” e, para Moreno, deveríamos passar por um processo de individuação e autoconhecimento para que possamos desenvolver a nossa autenticidade.

Contextos

A base do psicodrama é o "tripé" formado por: contextos, instrumentos e etapas.

O contexto refere-se à relação do indivíduo com o ambiente e a sua inserção na realidade, no grupo terapêutico ou na realidade suplementar.

  • Contexto social: É a realidade do indivíduo, está relacionado com os fatores culturais que compõem a construção da comunidade. São as características antropológicas, políticas e econômicas que influenciam na construção da subjetividade do grupo.
  • Contexto grupal: Formado pela realidade do grupo terapêutico, com intervalo de tempo e espaço determinado. Também são as interações construídas pelo grupo.
  • Contexto dramático: É a realidade dramática, o que é experienciado durante a cena. O tempo e o espaço são subjetivos e fenomenológicos. É também a construção da realidade suplementar.

Principais Elementos do Método Psicodramático

Para a construção de uma cena na abordagem psicodramática são necessários cinco elementos que se inter relacionam:

  1. Cenário: É o espaço onde a cena acontece. É onde os envolvidos podem experimentar ao máximo a sua liberdade de expressão e de experimentação.
  2. Protagonista: Representa o seu próprio papel. É a pessoa em que se centraliza a dramatização. Expressa por meio da atuação sentimentos conflitantes e situações do dia a dia.
  3. Diretor: É o terapeuta que dirige a dramatização e coordena a montagem da produção. Tem como principal função guiar o protagonista e os demais integrantes para que consigam desenvolver o papel com espontaneidade.
  4. Ego-auxiliar: São aqueles que interagem com o protagonista durante a dramatização, podem encarnar o papel de algum personagem simbólico ou real e importante na vida do sujeito.
  5. Público: É o grupo terapêutico, acompanha todo o desenrolar da dramatização. Estão tendo seus conflitos internos trabalhados à medida que vão se identificando com o protagonista.

Etapas

A ação dramática se divide em três fases distintas, e para a sua realização completa cada fase deve ser trabalhada a fim de liberar possíveis bloqueios ou tensões que possam interferir no objetivo terapêutico. São elas:

Aquecimento

 Momento preparatório inicial. Nessa etapa se dividem os papéis e o tema é discutido com o grupo. O terapeuta pode utilizar técnicas como jogos e dinâmicas corporais para aquecer os participantes e deixá-los mais conectados uns com os outros.

Dramatização

É onde acontece a representação do tema escolhido. O diretor facilita a cena e o protagonista entrega suas emoções para o papel. É o momento ápice do encontro, pois será colocado em prática tudo o que foi elaborado anteriormente.

Compartilhamento

Aqui o grupo comenta a experiência vivenciada durante a dramatização. O protagonista, os egos auxiliares, o diretor e o público compartilham o que sentiram durante a cena. É um momento de reflexão sobre como a vivência experimentada reflete fora do palco.

Benefícios do psicodrama

O psicodrama é um recurso de grande potencial terapêutico, através da dramatização o indivíduo pode expressar livremente seus conflitos internos e externos e por meio da escuta e do compartilhamento de sentimentos e emoções os participantes conseguem ter um conhecimento mais aprofundado das relações sociais e de si mesmos.

Dentre os inúmeros benefícios dessa técnica podemos citar:

  • Maior empatia.
  • Aumento da criatividade.
  • Desenvolvimento da espontaneidade.
  • Perda ou diminuição da timidez.
  • Ressignificação de experiências ruins do passado.
  • Liberação de emoções (Catarse).
  • Acolhimento e identificação com um grupo.
  • Confiança para enfrentar as situações cotidianas.
Referências
  1. GONÇALVES, C. S. et Al. Lições de Psicodrama: introdução ao pensamento de J.L. Moreno. São Paulo: Ágora, 1988
  2. RAMALHO, C. M. R. Psicodrama e Dinâmica de Grupo. Aracaju: Iglu, 2010.